A Shigatsu me pediu para analisar “Dramarama”, o último single do Monsta X, que é de fato bastante confuso. Tive que assistir umas dez vezes e ler várias outras interpretações até começar a entender alguma coisa desse liquidificador.
Mas o que eu descobri me deixou bastante surpresa:
O tema é viagem no tempo. Porém, o contexto dessa história falta e empobrece bastante o conjunto, na minha opinião. Somos jogados no meio de uma narrativa sem nenhuma introdução ou resolução.
Por exemplo, não temos como saber por que razão Hyungwon é quem produz e controla os relógios utilizados para viajar no tempo, e não qualquer outro membro.
Ser meme ambulante era a qualificação?
Seguindo com a história, descobrimos que Kihyun trabalha numa loja de penhores e tem flashbacks de uma viagem que fez com Jooheon, onde este sofreu um acidente. Hyungwon deixa com ele um dos relógios.
Minhyuk trabalha em um café que Hyungwon visita, e lá deixa outro relógio.
Wonho vive no futuro e aparentemente já tinha o relógio consigo, embora o voiceover de sua cena afirme: “viagens no tempo são proibidas, não remova os relógios de C.H.W.” (C.H.W. refere-se muito provavelmente a Chae HyungWon—o nome do meme ambulante).
Quando a música começa, os portadores dos relógios viajam:
Wonho vai ao encontro de Shownu em 2017, pois aparentemente são parceiros de luta. O Kumdo é uma arte marcial coreana derivada do Kendo, de origem japonesa. Seu nome significa “o caminho da espada”. Após o treino, Wonho volta para o futuro.
Kihyun volta para a estrada onde Jooheon o deixou logo antes de sofrer o acidente, em 2015. Mas ele chega tarde demais, e o carro de Jooheon passa por ele em alta velocidade.
Minhyuk também volta para 2015, com o objetivo de se reencontrar com I.M, que ele conhece desde a infância. Porém, agentes especiais à la Matrix (1999) estão atrás deles, e o que se segue é uma fuga por entre corredores residenciais.
Wonho toma banho e relembra os bons momentos com Shownu (sério, a piada é tão pronta que eu nem preciso fazer), mas logo depois é capturado pelos mesmos agentes que estão atrás de Minhyuk e I.M.
Adeus, relógio
Após uma sessão nostálgica de memórias, os agentes também capturam Minhyuk e I.M, mas ao invés de simplesmente retirarem o relógio como fizeram com Wonho, usam uma arma à laser. Minhyuk utiliza o relógio para escapar, mas I.M larga de sua mão no último segundo.
Kihyun, desesperado, é o único que encontra o senhor do tempo—e como último recurso faz um pedido. Mas sabemos que alterar o passado não é possível sem alterar o presente:
Kihyun aceita se sacrificar por Jooheon
Enquanto este o substitui na loja
O laser acerta o relógio de Minhyuk, danificando-o para sempre
E Wonho sabe que não conseguirá rever Shownu
O MV termina com Hyungwon sozinho sob a chuva. Um final sombrio, que me deixa frustrada por sua falta de contexto. Mas aí percebemos que…
A narrativa em si não é a parte mais importante desse MV. A viagem no tempo, os agentes especiais, o café… Tudo isso é apenas um background onde as reais representações acontecem…
E é por isso que seria bastante inocente ignorar que há insinuações homossexuais durante o MV inteiro.
Melhores amigos viajando juntos. Parceiros de luta. Amigos de infância. Enquanto essas atividades não definem a sexualidade de ninguém, há várias nuances que podem ser observadas, principalmente quando há uma parcela do público ativamente procurando por isso:
Esse momento de êxtase, principalmente se considerarmos a luta com espadas como metáfora para um relacionamento sexual entre dois homens
I.M e Minhyuk também extasiados pela fuga… Ou por outra coisa?
A perseguição como uma analogia à homofobia
Estar escondido significando estar livre: seja em uma viagem longe do cotidiano, em um beco escuro, ou em uma sala de treino
Todos esses são fatores que funcionam como um dog-whistle: o público comum nunca perceberia, mas o público à quem eles querem atingir sabe exatamente o que está acontecendo.
É aqui que entra a questão do título.
A comunidade LGBT+* vem sendo cada vez mais representada nas mídias. E acredito ser essa a tendência mundial, inclusive em meios mais conservadores como o Kpop. Mas, como tudo no mundo, há também o lado negro dessa representatividade, mirando apenas lucro comercial: o queerbaiting. Segundo a Wikipedia:
“Queerbaiting é a prática (principalmente no cinema ou na televisão) de aludir à uma relação romântica entre personagens fictícios do mesmo sexo, mas não representá-la. O potencial romance pode ser ignorado, explicitamente rejeitado, ou ridicularizado.”
O fanservice exagerado é um grande exemplo disso. As empresas e os artistas sabem que marketing queer dá dinheiro, principalmente em um mercado onde idols são proibidos de namorar publicamente, e fãs alimentam uma possessividade doentia.
Enquanto falar sobre fanservice e shipping é assunto suficiente para outro post, vou me ater apenas ao caso do Monsta X. Portanto, “Dramarama” seria somente mais um exemplo de queerbaiting, ou uma representação válida de subtexto gay?
Na minha opinião, ambos são verdadeiros. Enquanto “Dramarama” não apresenta nenhum relacionamento explícito, o MV também não nega ou ridiculariza a existência destes—apenas se utiliza de artifícios para comunicar sua ideia à um público específico, sem perder o restante da audiência. Como história isolada, funciona muito bem.
O grande problema é que grupos de Kpop não são histórias isoladas.
Não há marketing do idol como um mero ator, e sim como uma pessoa real e identificável. Representar um casal idol e gay em um MV significaria arcar com consequências ainda não vistas. Não dá para ignorar esses fatos sem sentir-se traído, ainda mais sabendo que, mesmo que exista um casal no Monsta X, ou em qualquer outro grupo, a chance dele ser revelado e suportado é praticamente nula.
Embora essa perspectiva seja desanimadora, enquanto pesquisava descobri alguns fatos que me deixaram esperançosa, e um tanto intrigada.
Por exemplo, a trilogia “The Clan”, lançada ano passado, possui os seguintes títulos:
Part 1. LOST ○ Part 2. GUILTY ○ Part 2.5. The Final Chapter [BEAUTIFUL]
The Clan: Lost Guilty Beautiful Trilogy. A comunidade LGBT.
Isso parece muito loucura de fã, mas ao assistir o MV de “All In”, lançado no dia 17 de maio – dia internacional contra a homofobia, fica evidente a mensagem:
“All In” traz o Monsta X em uma distopia, sendo perseguidos (mais uma vez) e formando um culto centrado em uma flor azul com poderes regenerativos. Esse motivo repete-se nos singles posteriores, “Fighter” e “Beautiful”, de formas bastantes distintas, mas deixarei essa análise para outros posts.
E enquanto é impossível saber sobre a autonomia dos idols na escolha dos seus conceitos (provavelmente nula), ao menos nas letras e composições Jooheon, I.M e Wonho arriscam alguns passos, o que me leva a acreditar que talvez exista a chance de opinarem nas narrativas que contarão futuramente.
Também acho interessante lembrar que a Starship Entertainment é uma das poucas empresas do meio a abordar temáticas LGBT+ em seus MVs.
É deles o clássico “Please Don’t” do K.Will, e o single especial do Sistar com o Giorgio Moroder, “One More Day”. Ambos são estrelados por atores, e não idols, mas já é um grande avanço.
Dá para esperar algum dia um MV como o do Holland? Acho extremamente difícil. Mas em meio à tantos vacilos, Monsta X nos oferece uma tímida luz.
Muito obrigada <3!
*Utilizei a nomeação LGBT+ para indicar todos os espectros de sexualidade e gênero. Se está incorreto, por favor me avisem. Também queria informar que não sou especialista no assunto, portanto, se falei algum absurdo, me notifiquem para que eu possa corrigir.
Referências:
Kumdo ○ Critical Analysis: Monsta X – “All In” ○ The Clan Theory ○ Queerbaiting ○ Homoerotic Subtext ○ In Defense of Gay Subtext ○ Starship Entertainment
Menina, lendo esse post eu lembrei do post que fiz exatamente sobre o mesmo assunto falando do debut do Holland o.o’ Fico feliz que o subtexto por trás do Monsta X parecer ser mais sério (independente de gostar ou não das músicas deles), já que eu vi tanto queerbaiting no k-pop que até fico meio desesperançoso quando esse assunto PARECE (e a palavra chave é essa) vir a tona
Enfim, adorei o post ^^ kk
Pra quem quiser ver o post do Holland falando sobre fanservice e representação LGBT+: https://aquariohipster.wordpress.com/2018/01/22/especial-representacao-lgbt-vs-fanservice-ou-com-a-estreia-do-primeiro-k-idol-assumidamente-homossexual-vamos-refletir-sobre-algumas-coisas/
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Pois é, continua sendo complicado e controverso, mas tem iniciativas interessantes por aí! Vou ler seu post :)!
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Espero que goste kkk (rindo de nervoso kk)
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Bobo xD!
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Acho que a sigla CHW significa simplismente Chae HyungWon, nome do meme ambulante ❤
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Verdade, tão na cara que eu nem notei hahaha obrigada, vou editar o post!
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ai que lindo o header ❤ rs
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Muito obrigadaaaaa 😊!
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Quando eu li esse post na primeira vez fiquei uns 5 minutos chocada olhando pra tela do celular com tanta informação incrível e coisas que agora são obvia, mas que eu não tinha percebido antes, tipo o Kihyun mudando de lugar com o Jooheon, pra esse continuar vivo…@____@
O Wonho tá sozinho no futuro também passou batido por mim, achei que os hologramas futuristas eram obras do relógio em sí, e não algo comum da época dele @___@
Quando esse clipe saiu e assistia ele TODO SANTO DIA tentando entender o que estava acontecendo, até pesquisei pelo fandom deles mas tava todo mundo perdido também, só você mesmo Tássia anjo de luz pra me salvar ❤
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Não é? @.@ Esse MV é bem louco, e eu acho que eles usaram essa edição super picotada pras mensagens subliminares ficarem beeeeeeeem sutis mesmo, só quem assistir um milhão de vezes que vai entender a história e as implicações. Acho que o fandom se encontrou um pouquinho, eu vi algumas teorias sobre o mv bem boas também!
E obrigada a você por esse pedido maravilhoso <3!
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Acho muito importante você levar a questão do queerbaiting, é um assunto que as pessoas costumam fazer vista grossa, mesmo aqui no ocidente.
Como bem foi dito a StarShip tem um histórico bem antigo e quase vanguardista das questões de casais do mesmo sexto e assuntos semelhantes, abordados de forma bem sensível até, soube recentemente que provavelmente pessoas homossexuais assumidas trabalham na empresa, no setor do audiovisual, o que explica o uso do tema ser abordado em clipes, mas não sei se a informação é verídica.
Só que existe sim a enorme chance disso ai ser puro marketing mesmo, e aproveitamento do auto grau de fanservice que pode ser extraído dos membros, que aparentam uma natural intimidade, provavelmente proveniente do convívio de anos, e fanservice atraí fãs que nem flores atraem abelhas então…mas eu não tenho uma opinião formada sobre ser ou não queerbaiting pra esse clipe em específico.
Enfim, estava assistindo a versão legendado depois de ler o post e tudo faz o mais puro sentido:
A letra fala sobre amor, dramas, traumas e viagens no tempo;
“O meu tempo parou e não posso me mover
Meu coração vai e volta, novamente
Está de volta no mesmo lugar
Dia dos sonhos, eu sonho”
Tem negócio interessante sobre a parte final da música
“Estou preso nesta cena repetitiva
Este é meu interminável
Drama dramarama”
Ela sugere que o eu lírico vive em um looping de tempo, e na final temos Jooheon meio que tendo lembranças do acidente do Kihyun, assim como no começo do clipe só que com os personagens trocados, será que o Jooheon vai usar seu relógio e encontrar com o meme vivo e pedir pra trocar de lugar com o Kihyun, igual este fez inicialmente? e os dois vivem nesse vem e vai eternamente, com um se sacrificando pelo outro? e o meme vivo meio que estar perdido nessas linhas de tempo vendo tudo se repetir, ele provavelmente volta e recupera os relógios perdidos/quebrados da galera sempre, por isso o final é ele sozinho amargurado na chuva (estou me sentindo “A DESBRAVADORA” agora XD.
No mais obrigada por me notar senpai ❤ sei que deve ter dado um trabalho terrível esse post, ficou incrível ❤ ❤ ❤
PS: Amei o visual revamped 2018 do blog, ficou lindo, ainda não tinha visto pelo pc ❤
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Nossa, se for verdade que tem gente assumidamente homossexual trabalhando na Starship, faz todo o sentido! Espero que seja isso mesmo, mas de qualquer forma não dá pra ignorar que há um aproveitamento dos ships e do crescente público ocidental que ama e busca representações na mídia.
E a letra faz todo o sentido mesmo @.@! Eu acabei esquecendo de analisar, mas eu acho que bem pode ser por aí mesmo! Inclusive no final eu fiquei em dúvida se eles todos não trocaram de universo, porque o I.M no final parece muito que está deixando o relógio pro Jooheon, e não o meme ambulante. Mas vai saber! Quero a continuação hahaha.
E obrigada à vc senpai ❤ é um prazer fazer esses posts 😊!
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Nossa… Eu quando li o título fiquei pensando “O que?” (achando viajado demais, algo forçado), mas daí terminei pensando “Será mesmo?” kk
Eu já tinha notado umas coisas antes, mas pra mim era apenas fanservice mesmo. Entendi a trama como amigos viajando no tempo, não necessariamente namorados (embora possam ser).
Vindo da Starship não duvido de nada. Mas sei lá. Enquanto pelo histórico era de se esperar algo mais “explícito”, por outro lado temos evidências, como a formação da sigla e algumas cenas sugestivas.
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Hahahahaha é essa a intenção, fico muito feliz <3!
Pois é, é tudo feito justamente pra gente entender como amigos e o clássico fanservice, mas né, juntando com o fato de ser da Starship + a sigla + a data de lançamento… Fica aquela dúvida.
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Segundo o próprio Monsta X, o Minhyuk e o I.M são IRMÃOS no MV.
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Não tinha parado pra pesquisar as coisas de Dramarama como pesquisa da trilogia The Clan, mas em The Clan a gente tem três pares/formas de amor algo do tipo, com o I.M e Kihyun como irmãos/amigos, o Minhyuk e o Hyungwon como namorados e o Shownu com o avó dele retratando amor fraterno e coisas do tipo. Acho que de alguma forma eles repetem a fórmula de 3 tipos de relações. Se for assim, aposto em Kihyun e Jooheon como casal na Dramarama era, Wonho e Shownu apenas como sensei e aluno e coisa do tipo, aquela coisa de respeito e o Minhyuk e I.M como amor fraterno visto que pelo menos eles têm ciência do que tão gravando, não é aleatório que nem os supostos conceitos do BTS.
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Eu não dava nada por Dramarama. Eu me apeguei tanto a Beautiful que eu parei no tempo em questão musical que isso me fez parar no tempo também com a vontade de querer entender as coisas. Eu mesmo tenho preguiça de videoclipe com teorias, ainda mais se for mais de um clipe explicando, mas depois desse hino de texto eu vou ter que tirar todo o meu chapéu pro futuro grupo a nação MONSTA X. Porra, que orgulho! Sobre a pergunta, acho que você está certíssima. Nada na indústria cultural nem nada acontece por um único motivo e sim por uma série de fatores. Com certeza alguém maluco deve ter pensando nos mínimos detalhes ou na ideia inicial do conceito dessa era, mas a empresa ou acionistas ou quem quer que seja deve ter estudando muito bem como ganhar dinheiro em cima disso. Bom, o que nos resta é curtir a música, se apegar ao que gosta e esperar os 10 de anos de carreira do grupo pra quando o Minhyuk e Jooheon vão anunciar que estão num relacionamento hahaha
https://luizgabrielbc.wordpress.com/
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Obrigada <3! Fico feliz, antes de escrever esse texto eu também estava com muita preguiça de Dramarama, o MV parecia confuso demais, mas fiquei bem feliz em descobrir que há todo um pensamento que faz bastante sentido por trás. É muito interessante mesmo!
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